quinta-feira, 15 de março de 2012

Para quem quer ser ecológico, só um ou dois filhos

Em termos de solução para a mudança climática, nada pode ser mais simples ou mais polêmico que a visão de Simon Ross: menos bebês. O dirigente do grupo britânico que promove a campanha Population Matters defende que a coisa mais ecológica que se pode fazer é parar de ter filhos.
Por que a população é tão importante para você?
Os combustíveis fósseis vão acabar. Existem limites para a fertilidade do solo, a água, os alimentos e outros recursos. À medida que a população aumenta e o consumo per capita cresce com a industrialização global, nós vamos chegar a um ponto de ruptura.
Muita gente anda falando sobre estilos de vida mais 'verdes' e práticas comerciais ambientalmente sustentáveis, mas poucos estão falando sobre população. Planejamento familiar e famílias menores são uma forma barata, confiável, eficaz e aceitável para reduzir nosso impacto sobre o planeta. Esse impacto é muito mais significativo do que qualquer outra coisa que um indivíduo possa fazer.

As políticas de planejamento familiar existentes não estão funcionando?
No mundo desenvolvido, o planejamento familiar tende a ser pouco subvencionado e pouco divulgado, e temos uma alta taxa de gravidez acidental. Em vários locais nos países desenvolvidos isso é caro demais, e o resultado, quando há, é irregular.
Isso não diz respeito só aos meios, mas também à motivação – é preciso dizer que um ou dois filhos é a coisa certa a fazer para quem quer ser ecologicamente correto.
Esse recado não está sendo divulgado pelos governos ou pelas ONGs ambientais. Organizações como Amigos da Terra e Greenpeace deveriam estar falando sobre população, bem como sobre consumo e práticas industriais.

Você parece contrário à visão da ONU de que deveríamos transformar o crescimento populacional em nosso benefício.
Eu posso entender por que interessa ao Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês) aplicar um verniz positivo às coisas e falar em melhorar a vida das pessoas hoje. É uma mensagem otimista. Nós somos mais pessimistas. Se não tratarmos a questão numérica, dentro de 50 ou 100 anos a vida será muito pior para todos nós.
Dito isso, tanto nós como o UNFPA insistimos que o planejamento familiar, o empoderamento das mulheres e a melhoria nos padrões de vida dos mais pobres da sociedade são o caminho a seguir.

Não é o consumo excessivo, em vez do excesso de população, que prejudica o meio ambiente?
Isso remonta às décadas de 1960 e 1970, quando alguns programas de controle populacional impostos de cima para baixo causaram reações. As pessoas diziam: "É preciso focar nas pessoas e falar sobre desigualdade e justiça, e não só em números".
Sim, precisamos tratar do consumo evidente. Existem enormes desigualdades. Mas não basta dizer que precisamos tornar os pobres mais ricos. Nós apoiamos essa ideia, mas isso só tornaria as coisas ainda piores.
 / Créditos: James Tulloch Simon Ross, CEO, Population Matters: "Com populações menores, podemos ter níveis de vida mais elevados per capita, porém com menos consumo, mais espaço, mais qualidade de vida, impactos menores para o planeta e mais espaço para a vida selvagem." (Foto: James Tulloch)
Mas quando as pessoas enriquecem, elas têm menos filhos. Então a redução da pobreza não é essencial ao objetivo de vocês?
As pessoas tendem a ter menos filhos à medida que ficam mais ricas. Mas isso não é razão para sermos complacentes. Se ficarmos apenas esperando que esses países atinjam uma condição melhor, e se eles tiverem 300, 400 ou 500 milhões de pessoas a mais, estaremos pedindo para ter grandes problemas.

Que tipo de problemas?
À medida que a água dos aquíferos é drenada para a agricultura e que as geleiras encolhem devido à mudança de clima, os padrões climáticos se alteram. Acrescente a perda de fertilidade do solo e combustíveis fósseis mais caros e veremos a produtividade agrícola declinar, enquanto mais gente adota uma dieta à base de carne.
O resultado dessa redução no abastecimento e da demanda crescente será que os preços dos alimentos continuarão a subir, como vimos em 2008 e mais recentemente – isso deixará os alimentos fora do alcance dos segmentos mais pobres da sociedade.
Aí talvez vejamos um retorno de mais conflitos; certamente teremos mais auxílio em termos de mitigação da fome e, talvez, mais escassez de alimentos como essa que estamos presenciando no Chifre da África.

Mais pessoas é algo assim tão ruim? Uma população maior pode aumentar a produtividade na agricultura.
Isso é possível em áreas onde há relativamente pouca população – aí mais gente pode trabalhar mais intensivamente a terra –, porém a situação se configura cada vez menos dessa forma. A maioria das pessoas, atualmente, mora em cidades, e a intensificação da agricultura sob muitos aspectos só piora as coisas.
A razão pela qual temos tanta gente hoje é por causa da Revolução Verde ocorrida nos anos 1960 – isso promoveu uma agricultura muito intensiva, mas com alto insumo de água, fertilizantes e muito maquinário que requeria energia, especialmente petróleo.
Isso exaure a fertilidade do solo, e os métodos amplos de monocultura ficam muito expostos a pragas e doenças. Esses são itens que, no longo prazo, não são sustentáveis.

Então uma sociedade em vias de encolher, como é o caso do Japão, seria o cenário ideal com sua economia em estado estacionário?
Eu acho que é isso que estamos buscando. Temos de nos afastar da mentalidade que mantivemos nos últimos mil anos, sempre em busca de mais crescimento econômico e maior consumo de recursos, ano após ano.
Com populações menores, podemos ter níveis de vida mais elevados per capita, porém com menos consumo, mais espaço, mais qualidade de vida, impactos menores para o planeta e mais espaço para a vida selvagem.
Mesmo se as taxas de natalidade caírem, as populações não crescerão de todo jeito devido ao aumento da expectativa de vida?
É fato que isso tem a ver com a crescente expectativa de vida – é isso que está impulsionando o crescimento populacional, pois as pessoas estão tendo menos filhos. Mas, apesar de terem menos filhos, o número de pessoas está aumentando – a população mundial dobrou –, portanto é uma questão de crescimento composto.
A longevidade é algo bem-vindo, e, no entanto, essa é outra razão para fazermos campanha em prol de famílias menores para manter a população sob controle.

Como seria um planejamento familiar efetivo?
Essa é uma questão de amplo espectro. Existem 14 métodos diferentes, mas nem todos são adequados para todo mundo. Alguns são muito mais confiáveis – os métodos de longo prazo reversíveis, como a injeção, o implante e o dispositivo intrauterino (DIU), são muito mais efetivos do que a pílula ou a camisinha.
Precisamos também melhorar a qualidade da educação sexual e dos relacionamentos, a fim de reduzir os casos de gravidez acidental.

Deveríamos adotar algo como a política do filho único, permitindo um único filho por casal?
O único jeito de avançar é de forma voluntária. As pessoas tendem a ter famílias menores por escolha própria, mas nós podemos dar uma mãozinha. Existem casos bem-sucedidos: Tailândia e Irã diminuíram suas taxas de natalidade rapidamente por meio de campanhas.
Os governos podem cogitar em não conceder benefícios para cada criança. Eles poderiam estabelecer o seguinte: "Pagamos pelos dois primeiros filhos; daí para frente só daremos dinheiro se for realmente necessário". Entretanto, os governos estão fazendo o oposto – na verdade, estão pagando as pessoas para terem filhos.

Então as políticas pró-família para contrabalançar as sociedades em vias de envelhecer estão equivocadas?
Acho que esse é um pensamento a curto prazo para ajudar a sairmos do buraco neste momento. Todas essas crianças irão envelhecer e aí teremos o mesmo problema, só que pior. A questão da população é algo de impacto imenso, mas muito lento. Precisamos pensar sobre o futuro.
MAIS INFORMAÇÕES: http://sustentabilidade.allianz.com.br