terça-feira, 9 de agosto de 2011

Leitura ‘errada’ ou programada?

 Mayana Zatz (Uma das maiores geneticistas do país)

Leitura ‘errada’ ou programada?


Não estou me referindo aos livros do MEC, embora esse assunto tenha ocupado  muito espaço na mídia. E com razão. Estou falando da leitura do DNA pelo RNA, e uma nova pesquisa que acaba de ser publicada na revista Science ( 19 de maio).
Segundo o dogma central da biologia molecular, que todos aprendemos na escola, as informações ou sequências de bases do nosso DNA, as famosas letrinhas Adenina, Guanina, Timina e Citosina são lidas pelo RNA e determinam as sequências de aminoácidos que formam as proteínas correspondentes. Como sempre se acreditou que essa leitura é feita com precisão, é possível prever, a partir do DNA, como será a proteína codificada por aquela seqüência de DNA.

Às vezes ocorrem erros, ou mutações, e descobrir quando esses erros têm conseqüências patológicas, isto é, são responsáveis por doenças genéticas ou não, tem sido objeto constante de inúmeros estudos. Mas uma nova pesquisa parece questionar esse dogma sugerindo que o RNA não é tão fiel assim ao copiar o DNA.
Erros de cópia parecem não ser tão raros
Pesquisadores liderados pela cientista Vivian Cheung e seus colegas, da Universidade da Pensilvania, publicaram um trabalho onde mostram que as cópias feitas pelo RNA não são tão precisas assim. As trocas parecem ser muito mais comuns do que se imaginava. O seu grupo estudou o sangue de 27 pessoas não aparentadas e observou quase 29.000 diferenças nas leituras, espalhadas por cerca de 1/3 dos nossos genes. Chamou essas diferenças de RDD (do inglês RNA-DNA-Differences  ou RNA-DNA-diferenças, em tradução livre).
As RDD não seriam erros ao acaso
Todas as RDD foram encontradas em pelo menos duas pessoas, e 80% delas repetiam-se em metade dos indivíduos, incluindo crianças e adultos. Essas diferenças foram encontradas em vários tipos de células: neurônios, células da pele, células embrionárias, células cancerosas. Mas o mais interessante é que os erros se repetiam nos mesmos lugares nas diferentes pessoas. Seria como se o RNA tivesse que ler a palavra SER, mas fizesse sempre a leitura como SEU ou LER.
E as proteínas codificadas por esses genes?
As pesquisadoras foram então verificar o que ocorria com as proteínas codificadas por esses genes. Observaram que algumas correspondiam a sequência “trocada” do RNA e não ao DNA original. As consequências eram, às vezes, a troca de um único aminoácido. Mas pelo menos em um caso, a alteração resultou em uma proteína muito mais longa com 55 aminoácidos a mais.
O debate já começou
Como era de se esperar, especialistas em sequenciamento já estão questionando esses resultados. Será que essas trocas são tão frequentes? Ou há muitos erros na interpretação ? O assunto é muito importante. Se realmente as RDD não forem raras, prever a partir do DNA a seqüência de aminoácidos de uma proteína será muito mais impreciso. De qualquer modo, a pesquisa da revista Science abre um leque de novas questões. Como são produzidas as RDD? A troca ocorre quando o DNA está sendo copiado ou o RNA é “editado” depois disso? Qual é o efeito dessas RDD no nosso organismo? Será que são transmitidas para gerações seguintes? Para quem trabalha com doenças genéticas, como eu, as dúvidas são ainda maiores. Será que as RDD explicam, pelo menos em parte, porque pessoas com a mesma mutação no DNA podem ter quadros clínicos tão diferentes? Ou porque alguns tecidos são afetados e outros não?
Tenho um pôster com um macaco coçando a cabeça e que diz: quando aprendi todas as respostas, mudaram todas as perguntas. Pelo menos não podemos nos queixar de monotonia.
Por Mayana Zatz
fonte: 
http://veja.abril.com.br/blog/genetica/sem-categoria/leitura-errada-ou-programada/#more-183541